6.17.2007

Vigésima Terceira Facada V

Tonitruante Anastácio faz pouco na vida. Este encontro com três dos muitos conhecidos que tem, é pouco mais do que beber vinho aveludado e ir cambaleante para casa. A casa é de G. e a divisão em que se encontram lembra uma sala de operações, tão desinfectada, branquinha alva e decorada com objecto rectilíneos e metalizados. Um bambu. Dois quadros contemporâneamente absurdos. Não é a boçalidade que predomina nos diálogos entre os monologantes, mas quase. " Deixem que vos encha os copos, que até o sol raiar ainda há que chegue. Ah!" F. bebe muito mas fala pouco. É talvez de todos, a quem mais pesa a própria existência, descambando facilmente para a depressividade, auto e hetero comiseração. "As coisas de que gosto mais não as descubro em lugar algum, talvez no dia em que me deixem de doer as costas consiga rachar lenha e encontre algo de novo. Tenho apesar de tudo a sensação que não há lenha suficientemente boa no mundo inteiro que me proporcione um bom trabalho. Quem sabe o mogno..." L. não concorda com tais visões e é um pragmático feliz. Viajou e viaja pelo mundo conhecendo muitas coisas, sem conseguir distinguir o seu próprio pensamento. Faz, e deixa que isso o guie. As suas opiniões têm sempre exemplos práticos, mas é isso mesmo que as torna a maior parte das vezes, mais inválidas. "No Laos comi percevejos fritos, e isso releva indefectivelmente a minha visão sobre a gastronomia, que inclui vegetais. Parece-me que o carvalho pode ser uma boa escolha para o que procuras, F."

Tonitruante trouxe hoje um livro para que se discutisse um dos capítulos. Foi nesse capítulo que descobriram a pista que os levou à concertante notícia. Haviam sido escolhido pelo destino para o dom de só morrerem quando lhes fosse inflingida a facada número 23. Decidem então mudar o assunto com que até aí o capítulo os aborrecia. Tonitruante era o que mais planos fazia " o conhecimento que absorvermos será de uma dimensão tal que conseguiremos algo de novo e bom para o mundo".

A quase eternidade parece elevá-los a uma posição de superioridade, mas a verdade é que apesar de todo o tempo que terão, nenhum deles fará nada de especial. A mediocridade nivelará sempre as suas acções e o reconhecimento virá sempre da amálgama de gente que conhecerão nas suas quase intermináveis vidas. Não por falta de tentativas ou de empenho. Cada um nas suas vocações, mas cada um com os mesmos cérebros e com as mesmas confirmações que por sua vez levam à perpetuação de ideias erradas.

4 comentários:

Anónimo disse...

Tronitruante Anastácio, este nome é tradicional ai das ilhas?!

PedromcdPereira disse...

Não, é parvoíce mesmo, eheheeh! E o avançado da hora...

Lisa disse...

E que tal começares a pensar escrever um livro de contos. Não era mal pensado de todo...

PedromcdPereira disse...

Thanks! Talvez quando souber escrever...