5.28.2012

O saudosismo chega sem vergonha

Fala-se dos exames da primária do Estado Novo e encontramos logo quem fique com pele de galinha de tanto prazer. Bizarro é que muitos destes entusiastas são mais ignorantes do que um miúdo do quarto ano, acerca das matérias que dizem ser essenciais à formação de um cidadão. Além disso, parece haver uma vontade de infligir um sofrimento aos petizes, como que fazendo um ajuste de contas com a própria infância. E isto é o mais preocupante: quando a mente está obnubilada por armadilhas emocionais, quando devia estar limpa e focada no objectivo de melhorar algo tão importante como o ensino de crianças. E isto não é fábula. Basta vermos a forma quase agressiva como os defensores da rigidez e austeridade no ensino se posicionam nas discussões.

Depois temos um ministro que decide reinstituir o exame de 4º ano. Mas há dúvidas de que esta jogada visa agradar finalmente aos velhotes a quem está a ser roubada parte da reforma? Há dúvidas de que este exame é uma forma de acalentar o coração de quem soube, uma vida inteira, as quatro dinastias portuguesas, não lhe tendo servido essa informação para mais do que fazer boa figura no programa do Malato?

Espero que não haja atrasados mentais que vejam nestas ideias uma desvalorização da História portuguesa. Muito pelo contrário. Entendo que o ensino deve alentar para a descoberta, para a auto aprendizagem, para a liberdade de conhecimento. O ensino baseado no decoranço esvazia a auto determinação, a vontade de conhecer mais.

5.21.2012

Contradizer é uma obrigação cívica

Ia comentar este texto de Manuel Leal Freire, no Capeia Arraiana, mas já ia avançado nos caracteres, de maneira que aqui fica.


Não sei por onde começar. Apesar de reconhecer no autor da resenha um imenso conhecimento de coisas, decerto importantes, não posso reconhecer-lhe acerto nesta crónica. Começando pela questão académica, não deveria haver discussão possível. Comparando com o tempo do estado novo, por exemplo, a melhoria hodierna do ensino público não tem contra possível. Claro que aumentando o número de estudantes, aumenta o número de casos falhados. Mas grassa pelas gerações mais velhas uma espécie de ressentimento pela facilidade com que hoje se consegue estudar. Resquícios de tempos em que se endeusavam as pessoas com estudos superiores, em que cada estudante almejava o olimpo do estatuto social. Agora estuda-se porque sim. Por muito que isso custe, para a maioria das pessoas e para o país isso é bom. Falta calcorrear muita vereda para se chegar a um tempo em que cada licenciatura seja mesmo uma mais valia. Entretanto aperfeiçoamos o processo. Haja políticos decentes para o fazer.
Quanto à tão falada escola industrial, o mais alardeado sofisma dos saudosistas de outros tempos, pouco a acrescentar. Quem reclama a sua falta ignora a rede de formação profissional que o país tem, havendo inclusive um concurso anual da escolha do melhor artífice/empregado/operário, de profissões como soldador, carpinteiro, canalizador, etc.

Das PPP, nada de novo. Quem não concorda que deve haver bom senso e transparência na gestão de dinheiros públicos?

Quanto a Hollande e Strauss Kahn, sabemos que Hollande tem um processo por favorecimento de amigos, no seu anterior cargo público. Quanto às escolhas sexuais do segundo, sem comentários. A moral, tantas vezes pregada, nem sempre se tem em primeira conta afinal.

Por fim, no caso vergonhoso do BPN, uma referência curiosa que vale a pena aprofundar: a seriedade de "Egas Moniz". Das patranhas de História que se ensinam na escola para levantar o ego do pobre Zé Povinho, nenhuma é tão ardilosa como a de Egas Moniz. Além de ser uma lenda contada como verdade, há uma característica essencial da história, sempre passada em branco, como os cheques do BPN. Então valoriza-se o Egas Moniz por ter levado filhos e mulher a caminho da morte, mas não se valoriza o facto de Afonso Henriques, o Rei fundador de Portugal ter mentido com quantos dentes tinha na boca, ao primo? O nosso primeiro rei passa a perna ao primo e nós viramos a cara, olhando com ternura para o aio. Mais uma vez, por muito que nos custe, a trapaça está nas fundações deste país (e de muitos outros). Não o vendamos com uma falsa carapaça de magnanimidade, porque esta será uma carapaça de vidraça estilhaçada. Não nos fiemos no passado para construir o futuro. Aprendamos com ele, mas reconheçamos-lhe os erros, as falhas, o mal e tenhamos a coragem de mudar os vícios que trazemos. Pensarmos que somos os maiores, deixando que as tais tubas da fama nos ensurdeçam, não é, de facto, boa política.

5.13.2012

Conflito interior

Leio na Bomba algo de que discordo profundamente. Então antigamente dava-se valor à boa educação e a mesquinhez era socialmente condenada? Como? Antigamente quando? Há dois anos? Percebo a investida contra a tecnologia como contraponto a uma suposta crise de valores. Não há paralelo e ninguém pode salvar a decadência da própria existência mostrando um belíssimo corte de cabelo, por exemplo. Ou melhor, poder até pode, mas a vacuidade do gesto só aprofundará o sofrimento. O erro que se tem cometido ao desvalorizar a evolução moral e emocional das pessoas é também crasso e ignora o contributo das comunidades ocidentais não só no equilíbrio dos patamares morais culturais mundiais, mas também na construção da possibilidade de um individualismo não egocêntrico, uma das grandes conquistas da contemporaneidade, ainda em obras. Pareceu-me que a boa educação a que Charlotte se refere, é o respeitinho. E sei bem que só inadvertidamente o pode ter valorizado. Mas é a ideia que passa. A boa educação tem agora (oh não, vou utilizar a palavra) matizes variados que provém da liberdade das pessoas, valorizando-a ainda mais. E acredito, talvez ingenuamente, que com o tempo a maioria das pessoas converge para uma série de regras de relacionamento, criando inadvertidamente grupos que valorizam os tais diferentes matizes da boa educação. Como pode ser pessimista em relação ao progresso da humanidade e acreditar que um dia a mesquinhez foi socialmente condenada? A mesquinhez acontece com pessoas concretas, sempre aconteceu, sempre vai acontecer. E aqui sim devemos assumir pessimismo em relação ao ser humano. Mas um pessimismo justo que perceba a mesquinhez como confinada a uns quantos, repito, como sempre foi e há-de ser. A percepção da inexorabilidade de algumas características que gostaríamos ver longe de nós leva-nos a contra atacar com as outras, as que consideramos boas e justas. Mas como o fazemos em forma de ataque, fica tudo na mesma. Serve-nos a maturidade para reconhecermos a nossa influência na continuação ou não de certas formas de ser. E afinal, há aqui muito de concordância com o post... Fico feliz por vivermos uma época em que a boa educação é escolhida pelas pessoas e não imposta por comunidades de forquilhas e estadulhos (ainda que metafóricos) nas mãos. Já quanto à desonestidade e com a Justiça no Estado em que está, podemos sempre aproveitar para reforçar o Direito Natural e esperar que as pessoas passem a cumprir com as regras de sã convivência segundo princípios próprios, construídos autonomamente, sem ser pelo medo da reprimenda... Brincadeira. Mais uma vez, concordo com o post. Há aqui um problema de justiça e nenhuma sociedade poderá equilibrar convenientemente o desenvolvimento moral sem um sistema de justiça coeso e coerente.

5.02.2012

Muitas respostas, outras tantas perguntas

Como podemos afirmar que estão muitas respostas num vídeo de 20 minutos, sem nos ridicularizarmos? Neste caso porque muitas perguntas estavam feitas. Coincidências. Uma das mais interessantes questões é a da futilidade de confirmar se determinada crença é certa ou não. O importante será perceber a vantagem de mantê-la e utilizá-la através de um laço emocional. Em relação a crenças o problema é mesmo o primeiro. Para quê orientar alguém a negar algo que pode mesmo estar a acontecer?

5.01.2012

Há podre até demais

Aquela empresa que toda a gente gosta de vilipendiar, mas onde toda a gente compra o mobiliário, porque "fica muito em conta", (só esta expressão devia dar direito a prisão construída pelos próprios devidamente municiados de blocos, cimento e aço) anda metida noutra embrulhada. Depois da confirmação de o fundador ter sido amigo nos nazis, parece que nos anos 70 e 80 as fábricas Ikea em solo alemão (de leste, o lado democrático e bom para os operários)usaram presos políticos como mão de obra. A isto se chama dar para os dois lados. Mas logo para estes lados já é azar. Engraçado como continuo a ver pessoas preocupadas com empresas cujo crime é fazer dinheiro à custa de umas trapaças ao consumidor parvo, muitas vezes desejoso de ser enganado. Trocando por miúdos (calma Bibi), o que fazer com uma empresa que conseguiu pactuar com os dois regimes mais facínoras de sempre? Eu por mim deixo já de comer no MacDonald's. Bem sei, fazer negócio na Europa é complicado. A História está pejada de gente boa, que aliás tem ajudado a fundar os seus robustos alicerces morais indispensáveis à condenação de países fartos de ver lunáticos a mandar em outros países onde usam o próprio povo para experiências tão divertidas como inalar gás até "dormir". Agora que me lembro, aquele excepcional filme, tinha um mobiliário suspeito...