10.18.2007

Vigésima Terceira Facada VII

Subia J.B. pela corda que o levaria ao vigésimo terceiro andar, quando um gato lhe miou de uma das janelas do edifício que escalava. Sorriu-lhe e continuou. A noite estava morna e a lua nova oculta. J.B. é batido nisto e enquanto sobe vai pensando no novo sofá que comprou, no jogo que o seu Sporting perdeu e no almoço que irá preparar amanhã depois de ter comprado aqueles belíssimos salmonetes durante a tarde em que passeou pela praça. "De manhã vou comprar um pedaço de presunto bellota, faço uma pasta com farinha de milho e misturo tudo no almofariz para servir de recheio. Tomilho de limão..." Quando deu conta, estava no seu destino vertical: a ampla varanda que havia vigiado todos os dias, fazia agora um mês. "Sacripanta de varanda mais o teu dono, que grandes secas me têm espetado durante este mês de Setembro! Ainda por ciiiima éés puf, difícil de subir sem fazer barulho. Ainda é um bocadinho até lá a baixo". J.B. está sentado escondido no meio da plantas que abundam na varanda à qual acabou de escalar. Está cansado e ainda não acabou de pensar no que tem de comprar para fazer o seu almoço amanhã, por isso aproveitará estes dez minutos para as duas coisas: descansar e pensar.

Os dez minutos passaram, J.B. tem que terminar o que começou e sente-se contente por já ter passado o mais custoso e enfadonho. Nunca gostara muito de escalada apesar de ter habilidade com cordas e grampos e de parte da sua vida profissional hodierna ser dependente desta capacidade altamente apreciada e reconhecida pelos patrões que tem tido. O trabalho de hoje pode servir-lhe para viver dignamente durante 4 meses. "50 000?! Pode começar a procurar outra pessoa, porque há aí muitos novatos que gostariam de ter a oportunidade de fazer este serviço, não há paciência para estas discussões que começam sempre de forma despropositada do ponto de vista do conteúdo discursivo. Com mil milhões de mil macacos, sabe bem que eu não vou fazer isto por 50 000! - O.K. Pago 50 001. - Ai a merda! - Eheheh! 75 000. - Não. E sabe que eu sou um tipo sensato, não lhe vou sacar só porque sim..."

J.B. entra na casa de forma obviamente furtiva depois de ter colocado os seus goggles e dirige-se ao sítio destinado. Pelo caminho vê uma foto de J.D., um tipo mais ou menos da sua idade " Tive que aturar a tua fronha um mês. No more. Eheheh..." Empurra vagarosamente a porta do quarto onde confirma estar J.D. sozinho a dormir. Rapidamente e sem barulho saca a sua glock com silenciador e laser que não lhe permite falhar mesmo que a moral lhe tente pregar uma partida como daquela vez na Estónia em que a um segundo do gatilho e 3 metros da vítima atarantada, lhe passaram imagens de florzinhas e campos verdejantes por onde a vítima passeava cheia de vida, tendo J.B precisado de esvaziar o carregador para conseguir acertar, tal era o peso da consciência, "Trinta e quatro pessoas depois acontece-me esta! Ele há cada uma..." Vinte pessoas se passaram graças a J.B. e nunca mais a consciência o voltou a incomodar. Jogando pelo seguro apetrechou a arma.

A arma está quase colada ao peito de J.D. quando J.B. dispara os três secos tiros. Atónito vê J.D. levantar-se assustado e correr para o armário da cozinha enquanto ainda lhe dispara mais duas "ameixas" na nuca falhando outras tantas, mas J.D. corre como se tivesse a certeza que de que haveria amanhã. E correu, pegou num facalhão e dirigiu-se a J.B já completamente oprimido pelas imagens que os seus olhos haviam transmitido ao cérebro e que não conseguia processar... Enquanto sentia a facada no pescoço e no peito lembrou-se dos salmonetes que haveriam de estragar-se e esvaiu-se em sangue antes de se decidir entre o tomilho de limão ou a segurelha.

J.D. telefonou à namorada, aos amigos, à polícia e ao hospital. A estes dois últimos foi difícil explicar a história da visão da faca que lhe falou sobre a vigésima terceira facada, para os amigos e namorada que já a tinham ouvido, foi um alívio porque afinal J.D. não estava louco.

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