10.14.2006

Mp3

Z. levanta-se e sabe que hoje chegará a casa com um leitor digital de música novo. Não sabe de que côr, com quanta capacidade, marca, ou qualidade de som. Sabe apenas que terá música. Irá gostar da música? Não interessa.

Nesse dia guarda no cofre o último leitor, e recorda o passado meio ano. A ansiedade cresce e Z., como uma criança, sorri antevendo os próximos seis meses. A adrenalina e a inocência misturadas na sua alma que lhe haviam confirmado não existir.

Z. saía, passeava e escolhia: pessoa e leitor mp3. O conjunto num só. Matava, subtraía alegremente o dispositivo e corria para casa, preparado para viver os seis meses inteirinhos sempre ao som da música que saísse pelos auriculares. Hoje, o ritual repetir-se-ia.Que alegria! Como descrever se não havia ninguém? Os tremores nas pernas quase o fazem cair à entrada de casa. As mãos suadas apertam o o leitor: "Não pode ser como daquela vez em que o parti e tive de voltar!" A casa impecável abre-se para Z. O sofá anseia por saber quem acolherá nos próximos seis meses. Senta-se. Gozando o momento, coloca calmamente cada auricular:"Será pop? Talvez clássica... A pessoa parecia agitada. Rock, ou electro?"

Durante seis meses Z. agirá da forma que a música lhe indicar, assumindo as escolhas que a vítima fizera. A sua personalidade é plasticina. Os relacionamentos (amorosos e de amizade), os bares, os filmes, as peças, os livros, os sítios, a comida... Tudo estará dentro daquelas 384 músicas.

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