6.30.2005

No dia

em que toda a gente tomar banho, a seca terá deixado de ser um problema.

6.22.2005

Boas recordações não se vão embora

Nas aulas de educação visual de 95/96 (?) o David (não sei a partir de quando passei a chamar-lhe Vinhas) estava, como noutras disciplinas, ao meu lado. De várias histórias lembro-me desta:

A certa altura comecei a levar o walkman para ouvir música enquanto expunha a minha falta de talento nas folhas de papel cavalinho. Era uma boa forma de eu conseguir estar calado, e até podíamos ouvir as bandas com que o Vinhas aparecia de vez em quando. Uma vez pediu-me os phones do walkman durante o intervalo. Perguntei-lhe para que os queria. "Empresta aí que já vês". Emprestei-lhos. Meteu os auriculares nos ouvidos, o pinchavelho que liga ao walkman no bolso das calças, e começou a abanar a cabeça. E aí explicou: " agora entro assim na associação e toda a gente vai querer saber o que estou a ouvir e eu não digo. Depois pedem-me para ouvir e eu não deixo". Deu uma daquelas suas gargalhadas, ri-me com ele, e lá foi.

Fez isto umas quantas vezes, e eu assisti a uma ou duas, em que no final lá mostrava aos apanhados que afinal não estava a ouvir nada.

6.17.2005

No dia

em que as nuvens deixarem de ter formas, é porque já não existem. Ou então a humanidade não olha para elas...

Revolution, evolution...

Os camaradas Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves* deixaram-nos. Grande comoção pelo país, principalmente à esquerda. Perfeitamente compreensível. Álvaro Cunhal dedicou a vida à aventura comunista: prisões, clandestinidade, fugas... Toda essa aventura tem grande valor porque a luta contra a ditadura de direita era o que o animava.
O companheiro Vasco apoiou o golpe de estado (revolução) de 25 de Abril e quis ser primeiro ministro numa altura complicada. Não fez o que devia? Também não esteve lá assim tanto tempo que estragasse tudo irremediavelmente, como certa direita afirma.

Parece-me justa a homenagem que alguns portugueses lhes fizeram. Considero-a como um prémio da luta que empreenderam contra a ditadura. Não se podem esquecer as opções políticas e os erros governativos, mas isso felizmente podemos relevar e olhar com condescendência, porque a democracia e a liberdade (a sério) chegaram a tempo.

É por isso que considero Cunhal um homem de sorte. Além de não ter sido morto pela PIDE, e de todas as circunstâncias que permitiram a sua longa jornada de clandestinidade. Cunhal é um homem de sorte porque não conseguiu o que queria. Não pôde pôr a andar a máquina soviética no nosso país, e por isso não poderá nunca ser recordado como um facínora totalitário e sanguinário, porque não o foi. A sua incompreensível admiração por Estaline não passou da ideologia e da fantasia, e isso foi bom para ele.

O companheiro Vasco ainda conseeguiu fazer algumas macacadas, mas mais uma vez o tempo foi seu inimigo e não o deixou tornar-se num homem odioso. Claro que Cunhal esteve por detrás de todas as medidas dos governos provisórios, mas o responsável máximo era Vasco Gonçalves*.


p.s. Será que viver uma vida segundo os mesmos princípios, alheio ao que se passa no mundo, não admitindo alternativas a esses princípios que o quotidiano se encarrega de tornar obsoletos, tiranos e erróneos, é uma grande coisa? E se se lembrarem de tecer loas ao hitler segundo esta lógica? Ele não teve sorte...

* corrigido depois de percebido o indesculpável erro.

6.09.2005

Ócio

Se o ócio é o pai de todos os vícios, é então, pai de grandes actividades. Será que é também pai da bastarda virtude? Porque não? Uma pessoa está ali sem fazer nada... De repente começa a fumar, beber e drogar-se. Enfada-se e decide que é tempo de fazer alguma coisa de jeito.Dir-me-ão que não é qualquer um que toma esta atitude e que a maioria se afunda mais nos vícios. Claro! Eu acredito em elites e em seres humanos mais capazes que outros. Mas estará o mais capaz a salvo da perdição? Não. Tem é que fazer para sair dela, ou para lhe escapar. Os grandes homens devem perceber o abismo para não quererem lá cair. O comum não se dá conta do abismo até lá estar atolado.

Ter uns vícios é para o iluminado uma forma de assumir a sua humanidade enquanto brinca com a decadência, nunca ou raramente a experimentando. O vício permite ao sábio arrogante equiparar-se a todos os seres humanos sem o expressar por palavras lamechas.