2.16.2005

L.

Tivesse L. escolhido outros meandros para se afundar e o sucesso teria sido nulo. Estes que escolhera revelaram-se plenamente adequados à decadência que nunca pretendera mas que agora sabia ser a verdadeira fonte da sua satisfação. Farto de “tantas lérias” como ele próprio afirmava, entregara-se à penosa e recompensadora tarefa de viver completamente livre das pressões que o iam esmagando a pouco e pouco.
O primeiro passo para a “libertação” foi o de roubar todos os pedintes que encontrou pela cidade, aproveitando para despender energia quer a correr como a lutar. Quinze dias que lhe permitiram amealhar grandes quantidades de dinheiro e várias cicatrizes. Quando o dinheiro recolhido perfez uma soma à altura das suas aspirações, doou-a a uma empresa global de armamento… A forma extasiada e confusa com que o director da empresa o recebeu divertiu L. de tal forma que se escancarou a rir na cara do sr.
-A que se deve este seu gesto?!
-Ah! Ah! Ah! Ah! Oh! Oh!
-…
- Desculpe-me Sr. mas este átrio lembra-me situações deveras engraçadas, talvez com tempo tenha oportunidade de lhe explicar melhor.
- Com certeza mas…
- O dinheiro é para a empresa aplicar onde achar melhor. Aliás, se eu doei o dinheiro já não tenho nada que opinar. Enerva-me que em situações análogas as pessoas imponham que o dinheiro seja gasto desta ou daquela maneira. Como o transeunte que dá dinheiro ao adicto e lhe deixa uma qualquer advertência acerca da importância de comer um sandes ou uma sopa. Se o adicto quisesse comer sandes e sopas estava a trabalhar e comia sandes para poupar para o sistema de cinema em casa. O que ele quer é bem diferente e fora do alcance sensório do doador. Por isso, e por leveza de consciência, o doador dá um conselho prático de como a sua massa deve ser gasta, mas no fundo sabe que a primeira coisa que o adicto-pedinte vai fazer assim que tiver reunido certa quantidade de dinheiro, é ir aviar uma dose para mais uma vez fugir da realidade. E isso leva sempre a que o transeunte fique pior que estragado porque ele tem que gramar a realidade. O facto de saber que à custa dele alguém foge às responsabilidades de ser humano deixa-o mais que agastado, mas não consegue evitar de dar o seu contributo para isso porque ainda mais no fundo, ele sabe que é a fuga da realidade que levará o outro à destruição.
Como entende, não vou fazer objecções à forma como queiram gastar o dinheiro. Se um dia for morto com uma arma da vossa empresa, terei protagonizado mais um alegre episódio da inevitabilidade da coincidência. - Ofereceram-lhe uma arma como agradecimento pela oferta, o que L. aceitou prontamente. À saída encontrou um pedinte e ofereceu-lha… Com balas e tudo…
O projecto estava a correr-lhe bem.

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